Mônica Vermelha

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O mercado e a miséria.

Em tempos de globalização e neo-liberalismo, o mercado reina absoluto, sem que ninguém ouse questionar os seus fundamentos principais, não obstante o seu fracasso social gigantesco e a sua incapacidade crônica na erradicação da fome e da pobreza. Cada vez mais crescem as desigualdades intra e internacionais, e a lógica liberal persiste soberana, embora o seu mérito mais significativo e, ao mesmo tempo, nefasto, seja a produção de uma enorme massa de seres humanos “descartáveis” que, sem nenhuma utilidade mercantil, são desconsiderados e totalmente invisibilizados social e politicamente. Não obstante o crescente avanço tecnológico e o aumento sistemático da produção mundial, a miséria persiste, a concentração de renda se agiganta e a exclusão social, política e econômica se abate implacável sobre mais de dois bilhões de habitantes desse nosso planeta (PNUD, 1992).
Desde Karl Marx , ficou claro que o capitalismo necessita de um contingente de excluídos que garanta a sua reprodução, entretanto, na medida em que a democracia se expande, torna-se perigosa a manutenção desse verdadeiro “apartheid” no qual as elites nacionais e os novos impérios subjugam os pobres, inviabilizando para estes até mesmo o reconhecimento de sua condição humana. O problema da desigualdade social se manifesta de forma violenta no interior da sociedade brasileira e de várias outras nações e como agravante, temos a desigualdade também crescente entre os países, com a consequente marginalização econômica, política e cultural dos países subdesenvolvidos na arena internacional. No âmbito interno podemos e devemos combater a desigualdade, prioritáriamente, através de políticas públicas efetivas de distribuição de renda a serem implantadas pelos três níveis de governo. Ressalte-se aqui a necessidade de uma política econômica voltada para os interesses do povo brasileiro, marcada pela geração de empregos e pelo foco no mercado interno. É fundamental ainda que o governo brasileiro exija respeito e tratamento igualitário de seus parceiros internacionais - seja na esfera econômica, política, militar etc – e talvez, ao fazer isso acabe por romper relações com alguns países com forte vocação imperialista, mas, se o movimento da “globalização” nos oferece alguma vantagem, essa é sem dúvida a possibilidade de buscar novas parcerias econômicas, comerciais e políticas com um leque imenso de países, dentre os quais, muito provavelmente, acharemos muitos com os quais poderemos estabelecer relações mutuamente justas e vantajosas. Eduardo Galeano, nosso grande e apaixonado poeta latino-americano, já nos alertou a respeito da necessidade de nossos governantes descobrirem que a traição aos interesses nacionais e a mendicância não são as únicas formas possíveis de relacionamento internacional. O problema da miséria é decorrente de uma monstruosa concentração de renda existente no mundo inteiro, mas especialmente grave em nosso país. Adicionalmente, devemos considerar que a desigualdade de renda é fonte de muitas outras desigualdades, vale dizer, os pobres e miseráveis não são discriminados apenas por que são pobres. As múltiplas discriminações que pesam sobre esta parcela imensa da população brasileira atingem as dimensões política, cultural, profissional, religiosa, étnica etc. Temos um sistema político que vomita qualquer pobre que tenha a pretensão de ser um político profissional, um sistema educacional que exclui a cada dia milhares de crianças, adolescentes e adultos pobres de suas fileiras e, talvez o mais grave, temos uma mídia que estigmatiza, que ridiculariza e, subliminarmente, humilha moral e psicologicamente os pobres deste país. Ora, quem são os “pobres-miseráveis” no imaginário da sociedade brasileira senão a escória, os marginais, os “mal-encarados”, os ignorantes, os preguiçosos, os favelados dos quais a maioria dos não-miseráveis tem medo, se esquiva e quer se livrar? Temos uma sociedade que não se preocupa concretamente com a eliminação da pobreza, mas no seu dia-a-dia assiste impassível a eliminação dos pobres, talvez se sentindo um pouco aliviada. É incrível como uma pessoa razoavelmente observadora pode detectar nas conversas do dia-a-dia o enraizamento de idéias malthusianas e “quase-nazistas” nas mentes de estudantes e professores deste país; é assustador pensar que, talvez inconscientemente, o “cidadão mediano” esteja achando normal os inúmeros casos de assassinato e extermínio dos pobres, pretos, homossexuais, desempregados e favelados deste nosso Brasil varonil. Há, portanto, um longo trabalho de construção de uma nova cultura "moral e cívica" neste país. São terrivelmente vergonhosas as idéias e as atitudes que hoje estão “naturalizadas” em nossa sociedade. E nesta perspectiva, cabe repensar o nosso sistema educacional, não só nas suas dimensões altamente excludentes e de mero repassador de conhecimentos teóricos, mas questionar, fundamentalmente, a sua incapacidade na formação de cidadãos éticos, humanistas, solidários, críticos, respeitosos e participativos, capazes de se indignar, de sair dessa apatia mórbida e cômoda na qual estamos instalados e de questionar e enfrentar de forma corajosa e construtiva as idéias, atitudes e comportamentos atrozes que têm se tornado banais em nosso meio. Obviamente essa é uma tarefa gigantesca na qual a escola é apenas um dos protagonistas, outra “instituição” que também tem um papel crucial nessa empreitada é a mídia, vale dizer, toda a mídia. Ora, as redes de televisão, as emissoras de rádio, os jornais e as revistas são concessões públicas e, no Brasil, há séculos que a mídia, salvo raras excessões, vem prestando um desserviço à nação. Exigir que os meios de comunicação de massa sirvam à população de forma inteligente, ética, respeitosa, honesta e comprometida com os interesses do povo brasileiro é o mínimo que temos de fazer para que essas concessões públicas atendam, ainda que minimamente, à sua função social. É mais do que urgente um debate nacional amplo e sério sobre as comunicações neste país, para que as concessões públicas tenham uma cara ética e democrática e, assim, possam prestar um serviço à nação ao invés de contribuir para o atrofiamento da inteligência e da consciência deste país. Setembro de 1993!

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