A questão da
indisciplina e da violência na escola é um tema que tem incomodado
demasiadamente muitos dos educadores que trabalham na educação
básica nas escolas brasileiras. Para lidar adequadamente com estes
problemas, a escola precisa ter no seu regimento um capítulo que
normatize a questão.
O regimento escolar deve ser elaborado
coletivamente porque a cidadania e a democracia se aprendem
praticando, exercendo no dia a dia, participando das decisões e
ajudando a construir as “leis”, as regras de uma comunidade, no
caso, a comunidade escolar. Alunos e professores, depois deste
exercício democrático, certamente estarão mais e melhor
credenciados a resolver os problemas que surgirem no curso da relação
pedagógica.
A democracia é algo
que devemos ensinar, e, sobretudo, praticar no cotidiano escolar,
para isso é preciso que TODOS os membros da comunidade escolar
possam e sejam incentivados a participar das decisões que afetam a
todos, da concepção das regras que devem ser observadas por todos.
O processo de
discussão, argumentação e votação do Regimento Escolar é um processo riquíssimo e
tem uma fortíssima carga pedagógica, através dele os alunos
aprendem, no mínimo, a argumentar e contra-argumentar, respeitar as
opiniões e os direitos dos outros, conhecer as leis maiores do País,
a refletir sobre as suas próprias práticas e a vislumbrar
possibilidades de reparação de eventuais erros cometidos.
Em se tratando dessa
discussão sempre deparamos com críticas contundentes ao Estatuto da
Criança e do Adolescente(ECA) que, pelo senso comum, é visto como
uma lei que acoberta os mal-feitos de crianças e adolescentes.
Definitivamente, não é disso que se trata e adequada compreensão
do ECA é imprescindível para que crianças e adolescentes sejam
tratados como cidadãos e educados para, cada vez mais, exercer a sua
cidadania.
O Estatuto da Criança
e do Adolescente vem estabelecer que CRIANÇAS E ADOLESCENTES TAMBÉM
TEM DIREITOS, pois antes, na vigência do Código de Menores, eles
não tinham os direitos de cidadania reconhecidos. O ECA é uma lei
ordinária e se subordina à Constituição Federal que estabelece a
igualdade de TODOS em direitos e deveres, portanto não é verdade
que o ECA permite que crianças e adolescentes desrespeitem ou violem
os direitos das outras pessoas. O Estatuto não retira a autoridade
dos professores, nem dos pais, o Estatuto vem dizer aos professores e
pais, principalmente, que a autoridade sobre as crianças e
adolescentes, idealmente sobre qualquer pessoa, deve ser exercida de
forma democrática, proporcional e educativa. Que não se deve punir
uma criança/adolescente simplesmente por punir, deve-se “punir”
sim os abusos, porém de forma pedagógica devido à “condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento” das crianças e
adolescentes, que estão aprendendo a conviver em sociedade sob as
égides da cidadania e da democracia.
O ato de indisciplina
é uma “conduta que, apesar de não caracterizar crime ou
contravenção penal, de qualquer modo, tumultua ou subverte a ordem
na sala de aula e/ou na escola”. Cabe à comunidade escolar buscar
conhecer, nos estatutos legais, quais as condutas são tipificadas
como crimes ou contravenções e, caso essas ocorram dentro da
escola, os casos devem, por óbvio, serem encaminhados à Justiça.
Ter clareza da diferença entre ato infracional e indisciplina é
essencial para que a escola não superestime e agrave problemas
cotidianos, inerentes à convivência social, que podem ser
resolvidos no âmbito da mesma.
A escola deverá,
coletivamente, participativamente, definir quais são as condutas que
caracterizam atos de indisciplina, quais sanções serão aplicadas
em cada caso e qual instância escolar ficará encarregada de
apreciar e aplicar as medidas disciplinares. As sanções devem ser
proporcionais e se subordinarem às leis maiores como a Constituição
Federal(CF) e o ECA.
As sanções
disciplinares não podem, por exemplo, afrontar o direito das
crianças e adolescentes ao acesso e permanência na escola, neste
sentido, nenhum ato de INDISCIPLINA pode ser punido com suspensão,
expulsão ou transferência compulsória, visto que essas sanções
atentariam contra o direito à educação – direito fundamental de
todo cidadão, além de serem, essencialmente, anti-pedagógicas. As
sanções aplicadas aos alunos devem ainda ser fundamentadas,
“expondo as razões que levaram a autoridade a entender comprovada
a acusação e a rejeitar a tese de defesa apresentada pelo aluno e
seu responsável”. Isso dará ao “acusado” as condições
materiais para entrar com recurso, caso entenda que a decisão foi
abusiva ou arbitrária e/ou violou algum dos seus direitos
fundamentais.
A constituição
Federal em seu artigo 5º, incisos LIV e LV, estabelece que o
acusado tem direito ao devido processo legal. Inspirada no mandamento
divino do “NÃO JULGARÁS”, estabelece que o autor tem direito ao
contraditório e à ampla defesa e, no caso, das crianças e
adolescentes, imediata comunicação aos pais ou responsáveis.
Não obstante esse
processo seja de fato moroso e de difícil execução, é preciso
considerar que ele é justo e pedagógico, pois protege o autor de
eventuais arbitrariedades ou perseguições por parte da autoridade
escolar e, dá oportunidade para que todos os envolvidos reflitam e
discutam o que aconteceu, como aconteceu, porque aconteceu, o que
deve ser feito para que não mais aconteça e o que se pode aprender
com o acontecido. Isso é DEMOCRÁTICO, isso é PEDAGÓGICO!!!
O promotor de justiça
Murillo José Digiácomo lembra-nos que “a obrigação do respeito
a direitos e garantias constitucionais de parte a parte não tem
idade, sendo direito – e também dever, de todo e
qualquer cidadão, seja ele criança, adolescente ou adulto.”
Está escrito na
Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente que a educação
tem como objetivo “preparar o aluno para o exercício da
cidadania”. A construção participativa do regimento escolar e o
tratamento adequado dos casos de indisciplina na escola são
excelentes oportunidades para que alunos, professores, pais,
especialistas e diretores escolares ensinem, aprendam e pratiquem a
democracia e a verdadeira cidadania. Mais do que comportamentos
estigmatizantes e reforçadores da exclusão social, precisamos
ensinar e praticar – nas salas e corredores escolares - o respeito,
a cidadania, a democracia, o diálogo e o pensamento crítico. Não,
não é fácil, mas é um desafio inerente ao processo de formação
integral de pessoas, do qual decidimos um dia, sermos protagonistas junto com as
crianças e os adolescentes.
* Este “artigo” foi
inspirado no texto do Promotor de Justiça do Estado do Paraná,
Murillo José Digiácomo: O ato de indisciplina: como proceder
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