Mônica Vermelha

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quinta-feira, 22 de março de 2012

Sobre a teologia moral da manga.

Recebi de uma amiga muito querida a crônica (reproduzida abaixo) que, dizem, é do Rubem Alves. De fato, para nós que já fomos mais pobres ela evoca lembranças doces; de mangas, quintais, árvores e cantorias que, graças aos céus, povoaram a nossa infância. Por outro lado, achei também que a crônica romantiza demais a pobreza que não é assim fácil e poética; ser pobre é duro e muito triste.

Mas, essa crônica me fez lembrar também do tempo em que eu trabalhei no Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura de Belo Horizonte. O departamento era, acho que ainda é, responsável pela arborização das ruas belorizontinas e alguém propôs que se plantasse nas ruas, árvores frutíferas; não só mangueiras, mas, goiabeiras, laranjeiras, amoreiras, cagaiteiras etc. Eu apoiei a proposta, achei super legal, além de todos os benefícios que as árvores nos trazem, o povo ainda teria uma possibilidade de matar a sua fome crônica ou eventual, ou simplesmente alçar a mão e degustar uma fruta qualquer. Você, leitor, não acha que seria super legal?
Bom, a idéia não vingou, os argumentos em contrário foram muitos: como as pessoas iriam lavar as frutas antes de comê-las? A maioria das pessoas tem vergonha de simplesmente apanhar uma fruta e comê-la no meio da rua. Os donos de varejões não iriam gostar muito da idéia. Provavelmente frutas maduras cairiam e as pessoas jogariam cascas e caroços no meio da rua, sujando ainda mais a cidade. Concordando que os argumentos dos contrários à idéia eram razoáveis, sugerimos então que se fizesse pequenos bosques dentro dos parques municipais. Mas essa idéia também não vingou porque as pessoas não podem subir nas árvores das ruas ou dos parques, para que não caiam e se machuquem e processem a prefeitura.
E essa história serve também para mostrar um pouquinho do dilema das políticas públicas, por melhor e mais necessária que seja uma política pública, ela sempre tem efeitos não esperados e sempre contraria interesses de determinados grupos. É, por essas e outras, que o romantismo, a generosidade, a delicadeza, o desapego e a gentileza estão em extinção neste nosso mundo-cão.

PS. A prefeitura não plantou, pelos vários motivos elencados acima, mas nada impede que você morador - simpático e generoso - plante no passeio da sua casa - para deleite de qualquer um - uma pitangueira ou uma goiabeira...

Teologia moral da manga
                                                                               de Rubem Alves

O velho caipira, com cara de amigo, que encontrei num Banco, estava esperando para ser atendido. Ele ia abrir uma conta. Começo de um novo ano... Novas perspectivas...E como não podia deixar de ser, também começou ali um daqueles papos de fila de banco. Contas, décimo terceiro que desapareceu, problemas do Brasil, tsunami... Será que vai chover?
Mas em determinado momento a conversa tomou um rumo: "- Qual é então o maior problema do Brasil para ser resolvido? "E aí o representante rural, nosso querido "Mazaropi da modernidade" falou com um tom sério demais para aquele dia:
" - O Maior Problema do Brasil é que sobra muita manga!"

Tentei entender a teoria...Fez-se um silêncio e ele continuou: " - O senhor já viu como sobra manga hoje debaixo das árvores? Já percebeu como se desperdiça manga? "Sim... Creio que todos já percebemos isto... Onde tem pé de manga, tem sobrado manga...E aí ele continuou:
" - Num país onde mendigo passa fome ao lado de um pé de manga... Isso é um absurdo! Num país que sobra manga tem pouca criança. Se tiver pouca criança as casas são vazias... Ou as crianças que tem já foram educadas para acreditar que só "ice cream" e jujuba são sobremesas gostosas. Boa é criança que come manga e deixa escorrer o caldo na roupa... É sinal que a mãe vai lavar, vai dar bronca, vai se preocupar com o filho. Se for filho tem pai...
Se tiver pai e manga de sobremesa é por que a família é pobre... Se for pobre, o pai tem que ser trabalhador... Se for trabalhador tem que ser honesto... Se for honesto, sabe conversar... Se souber conversar, os filhos vão compreender que refeição feliz tem manga que é comida de criança pobre e que brinca e sobe em árvore... Se subir em árvore, é por que tem passarinho que canta e espaço para a árvore crescer e para fazer sombra... Se tiver sombra tem um banco de madeira para o pai chegar do trabalho e descansar...
Quem descansa no banco, depois do trabalho, embaixo da árvore, na sombra, comendo manga é por que toca viola... E com certeza tá com o pé na grama... Quem pisa no chão e toca música tem casa feliz... Quem é feliz e canta com o violeiro, sabe rezar... Quem sabe rezar sabe amar... Quem ama, se dedica... Quem se dedica, ama, reza, canta e come manga, tem coração simples... Quem tem coração assim, louva a Deus.
Quem louva a Deus, não tem medo... Nada faltará porque tem fé... Se tiver fé em Deus, vê na manga a providência divina... Come a manga, faz doce, faz suco e não deixa a manga sobrar... Se não sobra manga, tá todo mundo ocupado, de barriga cheia e feliz. Quem tá feliz.... não reclama da vida em fila do banco... "
Daí fez-se um silêncio...

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